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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Onde?



Era como se procurasse por algo que não estava ali, nem ali nem em lugar algum. Acordava sempre assustada, por vezes no meio da noite, e ficava pensando, ouvindo os grilos, se perguntando se demoraria muito para achar um rumo, algo que a fizesse ter realmente vontade de sair daquela cama. Mas ainda assim saía, não lembrava nem de pentear o cabelo, mas encarava a manhã quente que estava ali esperando por ela.
Procurava pelas esquinas, debaixo dos carros, em cima das árvores, mas não estava lá. Ela não estava lá. Não havia mais nada. O olhar vago demonstrava exatamente o quão distante de si mesma estava, assim como quando se olhava no espelho (algo que vinha evitando há meses) e não reconhecia aquela estranha refletida ali. Poderia ser qualquer pessoa, menos ela.
Havia meses estava sentindo uma estranha vivendo ali, se sentia seca por dentro, como se nada mais fizesse sentido; as pessoas já começaram a comentar, mas ela não liga. Aliás, não liga pra mais nada, apenas para sua busca.
A incessante busca por ela mesma, por um rumo, algo que faça o mínimo de sentido. Algo que mereça atenção, perda de tempo, dedicação. Talvez esteja por aí, debaixo de alguma pedra, mas enquanto não se encontra, segue errante. Assustada sim, mas com o desejo de que a próxima manhã faça mais sentido e seja menos inquietante que a anterior.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ouvi dizer...


Ele gosta dela, ela gosta dele; nenhum dos dois sabe disso. Os amigos sabem, até o cara da padaria deve saber, mas eles não sabem. Já tentaram colocar na cabeça deles, tentaram mostrar o caminho, disseram que era tão óbvio ao ponto de ser inacreditável eles não saberem, mas eles não sabem. Ou talvez saibam e só não queiram falar isso em voz alta. O medo de se machucar e de machucar o outro os impede, os cega. Tomar conhecimento desse sentimento seria assumir o que ambos negam: a verdade. Verdade essa que dorme e acorda com eles, que os afronta em cada palavra que trocam, em cada briga, cada negação. Parece loucura, mas se você conversar com qualquer um dos dois vai perceber que eles se gostam. Vai perceber pois eles negam, negam até a morte, de pé junto. Pode parecer mais louco ainda, mas bem no fundo eles sabem de tudo. Até já disseram isso um pro outro. Com antônimos, claro, mas já disseram.
E a vida aqui, na platéia, aguarda ansiosa pelo dia em que esses dois vão se olhar e dizer: eu sempre soube aquilo que todos já sabiam, é tudo verdade, não é?
Então, nesse dia vão confirmar ao mundo o que até o cara da padaria já sabia: ele gosta dela, ela gosta dele.